sábado, 28 de fevereiro de 2009

Buganvílias para a menina de Benguela


Trago em meus braços ramadas de buganvílias vermelhas para a última morada da que foi a Menina de Benguela e se está tornando a Menina de Angola.
Bem sei que os ramos de buganvílias têm espinhos, que laceram a carne fundo.
Mas nem por isso, ou talvez por isso mesmo, poderei deixar de trazer estas buganvílias vermelhas, de que tanto gostavas...
Vermelhas como o sangue que os nossos corações têm chorado...
Vermelhas como o sangue que a inveja (até depois da morte a inveja não te deixa) está fazendo brotar da nossa tristeza...
Menina de Benguela toda sonho e ternura...
Sonho que uma manhã tropical cortou cerce, como uma flor arrancada violentamente de uma haste...
Aceita estas buganvílias vermelhas, que te trago num momento de desespero e de revolta.
Revolta contra o destino...
Revolta contra a vida...
Revolta contra a inveja...
Não mais poderei estar ausente, quando a tua lembrança clamar por uma presença nas primeiras linhas...
Seria cobardia fugir.
E eu não quero ser cobarde.
Aqui estou, pois, com este ramo de buganvílias e de coração sangrado pelos espinhos.
Mas estou!
E o que é preciso é estar.
Que as buganvílias se tornem no símbolo do teu querer e do teu sonho...
Que os espinhos me lacerem, quanto mais as aperto contra o peito.
Mas que importa?...
Que importa o desespero, a raiva, se somos?...
Se trazemos até ti este punhado de buganvílias, de que tu tanto gostavas?
E eu aqui estou...
Que nesta noite de tristura o vivo das flores seja uma nota de coragem.
Agora, mais do que nunca, a coragem é necessária.
A coragem de sermos...
A coragem de estarmos...
A coragem de trazermos nos braços, rasgados pelos espinhos, um braçado de buganvílias...
Buganvílias para ti...
Buganvílias para a Menina de Benguela, para a Menina de Angola, toda sonho, coragem e ternura...
Aqui te deixo a Esperança nas flores que te trago...
A Esperança que nunca faltou no teu coração...
Adeus, Menina de Benguela...
Menina de Angola...
Adeus...
Até sempre!...


Orlando de Albuquerque
(Poema em memória da Alda Lara, sua esposa)

Nesta ausência


Nesta ausência que me excita,
tenho-te, à minha vontade,
numa vontade infinita...
Distância, sejas bendita!
Bendita sejas, saudade!


Teu nome lindo...Ao dizê-lo
queimo os lábios, meu amor!
- O teu nome é um setestrelo
na noite da minha dor.


Nunca digas com firmeza
que a mágoa apenas crucia:
a saudade é uma tristeza,
que nos dá tanta alegria!


Passo horas calada e queda,
a rever, a relembrar
as duas asas de seda
do teu langoroso olhar.


Se a mágoa nos não conforta,
por que é que a felicidade
tem mais sabor quando morta,
depois que se faz saudade?

Gilka Machado

Brigde over troubled water




When you're weary
Feeling small
When tears are in your eyes
I will dry them all

I'm on your side
When times get rough
And friends just can't be found
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down

When you're down and out
When you're on the street
When evening falls so hard
I will comfort you

I'll take your part
When darkness comes
And pain is all around
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down

Sail on Silver Girl,
Sail on by
Your time has come to shine
All your dreams are on their way

See how they shine
If you need a friend
I'm sailing right behind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Nunca eu tivera querido


Nunca eu tivera querido
Dizer palavra tão louca
Bateu-me um vento na boca
E depois no teu ouvido
Levou somente a palavra
Deixou ficar o sentido

O sentido está guardado
No rosto com que te miro
Nesse perdido suspiro
Que te segue alucinado
No meu sorriso suspenso
Como um beijo malogrado

Nunca ninguém viu ninguém
Que o amor pusesse tão triste
Esta tristeza não viste
E eu sei que ela se vê bem
Só se aquele mesmo vento
Fechou teus olhos também

Cecília Meireles

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Voar = Liberdade


Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.


Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.


Rubem Alves

(escritor brasileiro)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Manhã de Carnaval


Inventário lírico da cidade de S.Paulo da Assunção de Luanda


Primeiro tem o clima:
Sol e calor

Calor humano, de dentro para fora
- Que nada tem a ver

com o calor de fora para dentro
- Que faz sofrer

Também tem chuva às vezes
mas isso é S.Pedro chorando
por via dos nossos pecados,
N´Gana-Zambi abrindo ao céu
as comportas da tristeza,
para limpar a cidade!

Cidade de muitos Santos
-Tem S.Paulo com a Espada
e a Senhora da Assunção

- Rogai por nós, vestida de azul
que nós todos precisamos
pelo muito que pecamos!

Também tem São Miguel:
Mas São Miguel é Arcanjo
Tem espada de muitos gumes,
é Mukuambamba, fiscal de feitiço!
(corpo dele não entra faca
nem entra reza nem nada)

Tem Santos protectores
que estão cá desde o começo
desde que Zambi do céu
fez este mundo sem jeito
tão longe de ser perfeito,
tão longe de ser perfeito!

Tem Gonga , Gonga velha
A que entrega a felicidade
a quem vai ao seu Dilombe
e que protege a Cidade.

Tem Vunge que é da justiça,
conta branca rubra e preta.
Mas está velha coitadinha
ninguém sabe onde ela mora
ninguém sabe onde ela pára.

Tem Cuco-Muquita lá da Quissama,
que veio do Rio Salgado

Rio de lágrimas choradas
nas romagens à Muxima.

Devoção de povo antigo,
na igreja branca e velha,
onde a Senhora está esperando,
fora do tempo , fora do tempo,
quem queira fazer promessa

Tem Lemba que é do amor-amor
- É ela que ensina às mulatas
esse andar de perdição
esse olhar de brasa viva
e esse jeito de encantar
que nos leva o coração

Para quebrar esse feitiço
só indo ver a Sant´Ana
que está morando em Caxito.
Só Ela com seu poder
pode atalhar esse enguiço!

Tem outros Santos menores
dos tais que poucos conhecem
sabidos dos pais de Umbanda
e Manha-ia-Umbanda antigas
Mães de todos os feitiços
desta terra velha e grande.

Depois tem os Calundús.
Tem Petelo, Pedro Màzarti
Fidalgo do Manicongo

Que virou um dia Calundú
para atormentar os viventes

E tem Quianda na areia da praia
Tem também o anel de ouro da Ilha
à volta dela
como uma aliança de noivado
de Luanda com o mar.

E depois tem igrejas, igrejas velhas
como aquela que está
no largo do Palácio
e que era tão bonita
no tempo em que era ruína,
tinha arcos e morcegos,
e morava lá uma tal Senhora Saudade

- Tem a Senhora do Cabo
cheia de calor e sol
com seus coqueiros compridos
abanando de mansinho

Tem a Igreja do Carmo
que repica batizados
tendo nos sinos roufenhos
consonância de Marimba:

Teleco-Tim, Teleco-Tim
Teleco-Tem, Tem!

Tem a Senhora da Nazaré
que nos valeu na Batalha de Ambuíla
com azulejos do D.Fuas Roupinho
e mais as batalhas do Manicongo
tem no altar Preto Santinho

e a cabeça do Rei do Congo
está sepultada na parede

Também tem igrejas novas
que ainda não estão dentro,
dentro do mundo do povo
pouca gente lá chorou

acesas de vidro noite fora
num esplendor de luzes coloridas
a gente fica olhando aquele… que lindo
pensando se é igreja de verdade.


Tem também padrões e estátuas,
mas a melhor é o Pedro Alexandrino
que ninguém sabe quem era
e mora nas Portas do Mar
tem também as Escadas da Poesia
que não levam a nenhures
aninhadas de encontro ao morro de S.Miguel.

E tem a noite e o luar
E tem a noite e o luar,

E a desvergonha dos antros de perdição
alguns com nomes poéticos
abertos até às portas do sol,
cheios de cafusos borrachos
cansados das vidas do mato,
a descansar da solidão
e que amanhã vão trabalhar
e que amanhã vão trabalhar

E tem a árvore da Portugália cuja sombra
hoje é sombra do passado.

Tem Baleizão de carrinho
cada um dois e quinhentos
poesia doce e colorida
nas mãos de todas as cores
da criançada de sempre.
Também tem jardins…poucos e a medo.

Mas de todos o melhor
ainda é o da cidade alta
onde nunca vai ninguém

Tão tristinho, tão cheio de ontem

com um coreto verde,de ferro
onde paira a valsa do século dezanove
que nunca mais se tornou a tocar

Dá vontade de chorar lembranças daquela moça
que hoje é só fotografia
vestida de lilás claro
da flor dentro do livrinho
lenço amarelo da idade
com a renda a desfazer-se
numa caixa de xarão.

Mas tem o atrevido jeito
das acácias rubras floridas
que num grito de bandeira
verde rubra de alegria,
enfeitam de fantasia
os Dezembros de Luanda!

Tem o Cemitério Velho, esmaltado de viúvas

Embiocadas de negro
luto por dentro e por fora.

Saudades dos mortos, e dos Poetas,
saudades dos amigos e Lugares
que não existem mais.

Ingombota, rua do Franco
o Caribala, o Carnaval que passou
as pitangas que já não há
a quifufutila que eu soprava
às vezes de brincadeira
para os óculos da avó Augusta!

Mas ainda tem bairros antigos
tem o Balão, o Bungo e a Maianga
e tem Muceque também,
mas como o antigo já não tem.

Agora é tudo tijolo, zinco madeira
e a gente não toca o quissange
à porta das cubatas de capim

As lojas do Muceque é que ainda há

vendem quinhentas de vinho tinto
trinta vezes batizado
a um escudo cada uma.

E as festas do Muceque também
rebitas, massembas, batucadas
a Cidrália e o mar profundo além.

Tem a cidade nova cheia de gente
casas, casas tristes, casas alegres
caras brancas, pretas, indiferentes
carros, camiões, motorizadas
rádios berrando anúncios, anúncios,
anúncios luminosos, coca-cola
mas isso são outras conversas.

O que eu quero enfim dizer,
é que quisera fazer para vós
um festim

Para vós que lestes o inventário
que fosse cozinhado em fogo
rasgado com pemba e ucusso

Muambá, quitabas, mufetes
cozinhados pungentes
com gosto de gengibre
de jindungo e de saudade!

Festim de recordações
e de esperanças.

Para que comigo aprendam a poesia
desta cidade de muitos santos
e de muitas cores.
Cidade onde se queima
alecrim e erva do mato
se reza nas igrejas
e se amam Uangas nos terreiros.

Cidade de transmontanos
minhotos, bailundos, algarvios
quimbundos, indianos e ganguelas
gentes de todos os lados
até alguns estrangeiros..

Cidade de guardar memória
na memória de quem parte.

Cidade que eu gosto
porque é minha.

Carne e sangue e terra
da minha saudade quando parto
e cruz dos meus dias quando chego!


Albano Neves e Sousa
Luanda
1966/1968

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Ser


Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que
havemos de ser
unicamente humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos fáceis
de andar.
Meu rosto vário
desorienta as firmes pedras
que não sabem de água
e de ar.


Cecília Meireles

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Confiança

Mãe África


Mãe ÁFRICA
É do teu ventre glorioso que nascemos
É teu o sangue vermelho que corre em nossas veias
Tal como os rios entrelaçados
que deslizam sobre tuas virgens

É de ti
Que sentimos as saudades mais profundas,
Existentes em nosso ser
É por ti
Que lágrimas tristes
Rolam sobre nossos rostos negros acriançados
E são para ti
As palavras melancólicas que juntamos
E transformamos em poesia sólida e serena

Por isso, ÁFRICA
Jamais a distância
Jamais as luzes ludibriadoras
Jamais os castelos encantados
Nos farão esquecer, tuas terras de feitiços e Kijilas
De florestas tropicais
E de danças eufóricas

É a ti
É a ti que pertencemos…

Juliana Pedro

Dualidades



Poema lindíssimo de Ferreira Gullar, musicado por Fagner e cantado por Adriana Calcanhoto.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Olha-me


Olha-me nos olhos meu bem
E vê o meu olhar tão triste,
Tão triste como nunca viste
Por ter de recordar alguém.

Olha-me com amor também;
Mas se alguém no mundo existe
Assim com um olhar tão triste
Peço-te um olhar de desdém.

Triste sigo na minha andança,
Alimenta-me a esperança
Que chegarei a alcançar.

Até lá serão simples sonhos,
Chorarão meus olhos tristonhos
Tanto, que amarás meu olhar…

M.A.S.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Auto-retrato


Alguém diz que sou bondosa:está tão enganado que dá pena.
Alguém diz que sou severa,e acho graça.
Não sou áspera nem amena:estou na vida como o jardineiro
se entrega em cada rosa:corte, sangue, dor e aroma
para que a beleza fique na memória
quando a flor passa.

(Amar é lidar com os espinhos de quem ama por inteiro:com força, não com fraqueza.)


Lya Luft
(poetisa brasileira)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Tears in heaven

Tela de Gustav Klimt

Estou perdidamente emaranhada
em seus fios de delícias e doçuras.
Já não encontro o começo da meada,
não sei nem mesmo
se há uma ponta de saída,
ou se a loucura
vai num ritmo crescente
até subjugar a minha vida.
Não importa.
Quero seus nós de seda
cada vez mais cegos e apertados
a me costurar nas malhas e nos pêlos.
Enquanto você me amarra,
permanece atado
na própria trama redonda do novelo.

Flora Figueiredo
(poetisa brasileira)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

La sombra del viento


Tela de Michael & Inessa Garmash

Oração


Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.
Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só de Teus olhares me purifique e acabe.
Há muitas coisas que não quero ver.
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a Terra Em Primavera feroz precipitado.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Auto-crítica


Aqui, a sós.
Entre mim e o sonho
De cantar-te,
A voz
De que disponho
Sem engenho e arte...

Fraca e mal nascida,
Nasce,
E nunca digo de nós,
Da vida.
Do Sol
Que prossigo,
Com palavras-não-gastas...
Nasce,
E fica-se (tece)
A tristeza mole da derrota
Pelo mal que digo,
(Canto!)

A certeza da vitória
Nesta rota...

Espanto sem história
Neste esforço
De cantar-te?
Se és tão simples água
Ou sol nas veias,
Simples olhar límpido
De criança perpétua
Sem a primeira mágoa?!

Simples leveza de amar-te,
Simples esperança simples,
Maré-cheia e horizonte,
Escorço de linhas
Com o SOL lá, PÃO e FONTE!...
ah! minhas palavras minhas!

António Cardoso

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Solidão


Pra minha imperfeição está suspenso
Em cada flor da terra um tédio imenso.

Todo o milagre, toda a maravilha
Torna mais funda a minha solidão.
E todo o esplendor pra mim é vão,
Pois não sou perfeição nem maravilha.

As flores, as manhãs, o vento, o mar
Não podem embalar a minha vida.
Imperfeita não posso comungar
Na perfeição aos deuses oferecida.

Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Ou isto...ou aquilo


Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Cecília Meireles

Carinhoso



Meu coração, não sei por que
Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim

Ah se tu soubesses como sou tão carinhosa
E o muito, muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor dos lábios meus à procura dos teus
Vem matar essa paixão que me devora o coração
E só assim então serei feliz
Bem feliz

Ah se tu soubesses como sou tão carinhosa
E o muito, muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor dos lábios meus à procura dos teus
Vem matar essa paixão que me devora o coração
E só assim então serei feliz
Bem feliz


domingo, 8 de fevereiro de 2009

Canção para Luanda


A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
- Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

- Xé
mana Rosa peixeira
responde?

-Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!

"Olá almoço, olá almoçoeee
matona calapau
ji ferrera ji ferrereee"

- E você
mana Maria quintandeira
vendendo maboques
os seios-maboque
gritando, saltando
os pés percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
"maboque, m'boquinha boa
doce docinha"

- Mano
não pode responder
o tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
o corpo vendido
baton nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo o seu corpo
- seu corpo cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
- Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
- precisa comer!

- Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casa antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
tractor derrubou?

Meninos das ruas
cacambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?

- Manos
Rosa peixeira
quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
- Luanda onde está?

Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira
quitandeira Maria
Zefa mulata
- os panos pintados
garridos, caidos
mostraram o coração:
- Luanda está aqui!

Luandino Vieira

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Sonhos

Meu terraço de Luanda


Meu terraço de Luanda
Donde eu via o entardecer
Ouvia o som dos Paquetes
Que chegavam e traziam
Pessoas que queriam
Em liberdade viver....

Meu terraço de Luanda
Com vinte selhas de rosas
Vermelhas e brancas...
Tão formosas!..

Quando na cadeira de teca
Com almofadas de cretone
Me sentava a dormitar
Lânguidamente a ver o mar!

Sentia o cheiro das rosas
Vermelhas e brancas.
Tão formosas!
Será que um dia...
lá poderei voltar?

Maglotei

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Tua presença


Pela flor pelo vento pelo fogo
Pela estrela da noite tão límpida e serena
Pelo nácar do tempo pelo cipreste agudo
Pelo amor sem ironia - por tudo
Que atentamente esperamos
Reconheci tua presença incerta
Tua presença fantástica e liberta

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Rumo

Temporal


Ulula o vento
No seu lamento,
Doce bramir.

A tarde desce,
A noite cresce,
Faz-se sentir.

Ramagens tortas
De folhas mortas
Sempre a sofrer.

E quem as vê
Sonhando crê
Vê-las viver.

Quem talvez sente
O amor ausente,
Pode chorar
A horas mortas.

Batem as portas
Sem descansar.

E as folhas caem
E se contraem
Loucas no chão.

Os homens passam
E as rechaçam
Sem compaixão.

Folhas caídas
Vidas vividas
Sempre a cantar
A horas mortas.

Batem as portas
Sem descansar.

No seu açoite
Sopra na noite
O vento frio,
Num assobio
De arrepiar
A horas mortas.

Batem as portas
Sem descansar.

E a madrugada
Tão ansiada
É sonho triste.

Luar tristonho
É simples sonho
Que não existe.

A esta hora
Chove lá fora
-A neve cai -
Doce cantar
A horas mortas.

Batem as portas
Sem descansar.

M.A.S.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Nostalgia


Na caixa da ferramenta do poeta
a nostalgia é o instrumento
duma lassidão crepuscular
assassina do dia.

A memória
é um conservatório de combates
mais ou menos arrumados
mais ou menos diferidos
para a caixa dos conceitos.

Obscuro simulacro do real
sombra desmaiada
emergindo cada vez mais lenta
a nostalgia é o adeus da paixão.

Ana Hatherly

Isn´t it romantic

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sugestão


SEDE ASSIM - qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.

(Cecília Meireles )

Descobre-te

Mel


Quando suavemente deslizaste
as mãos afastando a franja que revelaram
o mel do meu olhar
- que douram a tua fronte -
lamentei pelos beija-flores;
que só a ti cedi o pólen
ao beijares a pele da minha córnea.
Ante às trevas encontro a luz do teu olhar!
Eu te sorvo onde o amor reside...
Tu me fizeste maior;
melhor do que jamais poderia eu ser.


Silêncios comedidos, gritos, tantos sons irreverentes.
Nossos sonhos??!!!
- Jamais acorde-os!
Avante a sonhá-los.
Ah! Essas alegorias da realidade:
Mesmo sabendo que virás;
pela fresta da janela,
espreito à tua chegada....

Ana Cristina Souto

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Vontade


Quero ser uma ilha,
um pouco de paisagem,
uma janela aberta,
uma montanha ao longe,
um aceno de mar.
Quando precisares de sonho,
de um canto de beleza,
de um pouco de silêncio,
ou simplesmente
de sol... e de ar...
Millôr Fernandes
(poeta brasileiro)

Ilha nua


Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e devida
Nos cantos amargos do ossobô
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras...

Alda do Espírito Santo