sábado, 31 de outubro de 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Reza da manhã

Tela de Joan B. Bofill


Senhor, dai-me a inocência dos animais
para que eu possa beber nesta manhã
a harmonia e a força das coisas naturais.

Apagai a máscara vazia e vã
de humanidade
apagai a vaidade,
para que eu me perca e me dissolva
na perfeição da manhã
e para que o vento me devolva
a parte de mim que vive
à beira dum jardim que só eu tive.

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 18 de outubro de 2009

O sol brilhava sobre o mar


(...)

Quando eu nasci...
- Eu sei que o ar estava calmo, repousado (disseram-me)
e o Sol brilhava sobre o mar.
No meio desta calma fui lançada ao mundo,
já com meu estigma.
E chorei e gritei - nem sei porquê.
Ah, mas pela vida fora
minhas lágrimas secaram ao lume da revolta.

Noémia de Sousa

sábado, 17 de outubro de 2009

Quando eu morrer



Quando eu morrer
veste o teu vestido branco
e com uma rosa encarnada
vai encharcar-te de mar

bebe vento em cada gota
do encanto do dia a chegar
e entende as palavras todas
que te entrego som a som
na fúria verde do gesto
de um mirangolo qualquer

corre o círculo dos sorrisos
na firmeza da partida
e esquece o medo das nuvens
que abraçam a nossa distância

e se ao longe me vires a acenar
ri-te do louco que eu sou
por ainda pensar em ti

toda vestida de branco
desfolha a rosa encarnada
escreve o meu nome na praia
e vai encharcar-te de mar

João Abel

Talento

Tela de Nydia Lozano


É na arte que o homem se ultrapassa definitivamente.

Simone de Beauvoir

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Serenata


Caem à noite pedras
sobre o templo
do silêncio
de espaço
um ruído de automóvel
um toque de sinos de uma igreja
monotonia diurna que não quebra
a queda das pedras
no silêncio

De dia o templo é
noite
e à noite há o silêncio
o esgaravatar de uma gaivota em fogo
o estalar de folhas novas
numa árvore
sabendo a vício este cigarro
de cheira a seiva dos pinheiros

E as pedras caem
como chuva ou neve
todas as noites que noites
já são poucas

E a seiva pedra sobre o templo
e a gaivota
o vício
a folha
quebrando este silêncio

Onde as guitarras?
Os quissanges acontecem longe

Manuel Rui

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Desejos e pensamentos

Tela de Alaya Gadeh


O desejo exprime-se por uma carícia, tal como o pensamento pela linguagem.

Jean-Paul Sartre

Nunca se sabe...

Tela de Gabriel Picard



Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.
Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Clarice Lispector


terça-feira, 13 de outubro de 2009

O nome não tem importância.

Tela de Leonid Afremov
Deus não prometeu dias sem dor;
risos sem sofrimentos;
Sol sem Chuva.

Ele prometeu força para o Dia;
conforto para as lágrimas
e Luz para o Caminho...

Deus disse:
O nome do teu Anjo não tem importância.
Tu o chamarás simplesmente de ... Amigo!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

domingo, 11 de outubro de 2009

o que cada um traz dentro de si...


O nada não ilumina,
não inspira,
não aflige nem acalma,
apenas amplia o vazio
que cada um traz dentro de si.

sábado, 10 de outubro de 2009

...o luar, essa delicadeza.



Não é da luz do sol que carecemos.

Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos a ver.

O mundo necessita ser visto sob outra luz: a luz do luar, essa claridade que cai com respeito e delicadeza.

Só o luar revela o lado feminino dos seres.
Só a lua revela a intimidade da nossa morada terrestre.

Necessitamos não do nascer do Sol.
Carecemos do nascer da Terra.

Mia Couto

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Homem vs mulher


O olho é um pequeno planeta


O Olho é uma espécio de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.

É um globo brilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas:
algas, sargaços, miniaturas marinhas,
areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro.

Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são inventadas.

O Olho é um teatro por dentro.
E às vezes, sejam actores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no
Olho,
lágrimas.

Cecília Meireles

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Revelação



Supérfluas as palavras,
dispensada a aparência, fiquei eu,
sem prumo,
como antes da primeira dúvida
e do último desencanto.


Lya Luft

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

o escuro mistério em movimento.



Há palavras a dormir sobre o seu largo
assombro
Por exemplo, se dizes Quanza ou dizes Congo
é como se houvesse pronunciado os próprios
rios
Ou seja, as águas
pesadas de lama, os peixes todos e os perigos
inumeráveis
O musgo das margens, o escuro
mistério em movimento.

Dizes Quanza ou dizes Congo e um rio corre
Lento
em tua boca.

Dizes Quanza
e o ar se preenche de perfumes perplexos.

E dizes Congo
e onde o dizes há grandes aves
e súbitos sons redondos e convexos.

E dizes Quanza, ou dizes Congo
e sempre que o dizes acorda em torno
um turbilhão de águas:
a vida, em seu inteiro e infinito assombro.


José Eduardo Agualusa

terça-feira, 6 de outubro de 2009