sábado, 29 de novembro de 2008

Silêncio


Preciso de silêncio.
Como você que lê com o pensamento,não em voz alta.
O som de minha própria voz agora seria barulho;
não palavras, mas só barulho perturbador que me distrai do pensar.
Preciso de silêncio.
Saio pelas ruas e as mesmas pessoas
que conhecem o meu repertório desorientado
pelo meu rápido bom dia, talvez, pensem que eu estou com pressa.
No entanto eu só preciso de silêncio.
Tanto falei, falei muito; chegou o tempo de calar
para apanhar os pensamentos felizes, tristes, doces, amargos!
Têm tantos desses dentro de cada um de nós.
Os verdadeiros amigos, poucos, apenas um!
Sabem como também escutar o silêncio.
Sabem esperar, entender.
Quem de mim ouviu tantas palavras e não quer mais ouvir,
tem necessidade como eu de silêncio.

Giovanna Amenta

I got lost in his arms



Se eu pudesse

Morrer de madrugada


Se morrer na madrugada
não me acordem
deixem-me dormir o sono calmo
de quem sonhando
levou a vida
Se morrer na madrugada
meus amigos
meus inimigos
não busquem misteriosas causas
não inventem histórias
de santas e kimbandas.
Sepultem-me
no pico do monte mais agreste
na raiz
do mais doido vento
sem batuque nem komba
sem pranto ou espanto
sem canjica nem carpideiras
sem dor nem quebranto.
Deixem-me dormir o meu sono
Se morrer na madrugada
peço, não me acordem
deixem as estrelas contaminar-se
na magia do meu sono

Jofre Rocha
(poeta angolano)

Olhar pousado em mim

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Vagueando pela noite


Árvores negras,
Lâmpadas de fraca luz,
Sussurro do rio que passa.

Bancos de jardim povoados
Onde pululam sombras inquietas
Que se aproximam
Se afastam
E por fim se enlaçam
Num amplexo de loucos desejos…

Risos
Gargalhadas
Recusas…
Gemidos ténues
Murmúrios quentes…

Notas distantes
Chegam aqui
Misturadas,
Embrulhadas
Com as de uma canção.

Ferem a noite
Estranhos convites
De perdição…

M.A.S.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Valsinha


Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vízinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz

Vinicius de Moraes

Aprender a viver

Óleo de Tim Shaible

Sonhe
O que você quiser sonhar.
Vá aonde você quiser.
Procure aquilo que deseja.
Porque sua vida é aquilo que você faz dela.

sábado, 22 de novembro de 2008

(Re)pensar a vida


Quero analisar o mapa dos sonhos devagar.
Quero encontrar um rumo.
Quero (re)pensar a vida.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sonhos

Sob as acácias floridas

Tela de Neves e Sousa

Com Novembro a chiar nestas cigarras
as acácias sangrando suas flores
e um sol afirmativo num céu alto

Espero a tua carta e a minha vida

Uma pausa do tempo em minhas mãos
preenchida
pela contagem das horas
nas cigarras e pétalas caídas.

A rua corre larga e sossegada
É a hora de tu vires!
Tu vens (eu sei) na moldura vesperal
com esta luz do passado nas paredes
e este céu de altocúmulos de Dezembro.

Com os estames d'acácia
jogo a vida nas sortes infantis
«Antera cai? Não cai? Ela virá? Não vem?»
E a cada sorte recuso a evidência
«Ela virá? Não vem?»
É a hora de chegares!

Os aros dos meus óculos te emolduram
ó Vénus de cabelos desfrizados!
Enquanto as minhas mãos, cegas, procuram
o cofre dos teus seis apertados.

Construímos assim a primavera
- a negada primavera dos amores:
Pega uma flor d'acácia para a pores
no meu cabelo indómito de fera.

Repara e vê a doce realidade:
os nossos jogos simples e ingénuos!
Esta soalheira vespertina hoje é-nos
bela imagem da nossa felicidade.

Cigarreio sem sol neste Dezembro.
E um céu da cor da angústia que me dá
a tua ausência em carne e em pensamento.

Magoa-me o teu rosto que não lembro
e o tau vestido branco táfetá
que voava batido pelo vento.

Se esta vida tão clara e simples fosse
como a imagem fixada desse instante
nenhum mal me faria esta chuva precoce.

Chuva, mãe dos poetas, minha amante,
lava às acácias o sanguíneo canto,
cala a voz das cigarras e o meu pranto!

Mário António
(Poeta angolano)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Luanda



LUANDA

A cor e a luz de Luanda trago no peito
Lá fui mulher aprendi com a sua gente.
A sua forma de amar.

Bruma


Perdidos meus olhos…
incerto meu passo…
Vago o gesto,no espaço!...

Mesmo assim
o meu andar se não detém.

Além
continuam a esperar por mim,
os mundos que uma vez encontrados
ninguém mais descobriu…

Quem me viu?...

E eu vou só…
perdidos meus olhos,
incerto meu passo,
vago o gesto no espaço…
mas VOU-ME!...

Isso me basta!...


Alda Lara

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Antonin Dvorak



Pergunto-te onde se acha a minha vida


Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto?
Em quem penso, iludida

por esperanças hereditárias?
E de cada pergunta minha
vai nascendo a sombra imensa

que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa não respondida.

Cecília Meireles

Eterna sentinela


Abandonado e só,
o Imbomdeiro,
figura milenária do sertão,
tem a dolorosa expressão
de quem foi condenado
por toda a vida
a sofrer na costa de África
o seu destino maldito.

Não conhece os milagres do amor,
e junto a si jamais teve o carinho
ou a ternura saudável
da mais humilde flor.

Imbondeiro desgraçado,
filósofo triste e pensativo,
filósofo da paisagem,
mártir e santo que alguém tivesse encontrado
no inferno de Dante
e conduzisse a este sol abrasador:

Tu és a estátua gigante
da minha dor!

Tomaz Vieira da Cruz
(poeta angolano)

Conhecimento

domingo, 16 de novembro de 2008

Resíduos


Alegrias,tristezas,questões,
Tudo tivemos.
Amor,felicidade,desilusões,
Também conhecemos.

Agora,tudo findou.

Sonhos,castelos,
Estrelas,luar,
Horizontes belos...

Nada mudou.

Só resta o penar,
O triste sofrer...
Pelas ruas andar
Sozinho a viver.

Uma núvem despeja
Gotículas de água,
Num leve rumor.
Meu ser só deseja
Que esta minha mágoa
Fique sempre amor.

M.A.S.

Sonho


Oh! Volúpia de sonhar…
Volúpia de partir
para onde só há névoa e fumo,
sem bússolas a nortear!...
Volúpia de dormir indefinidamente
de levantar castelos inacessíveis
com escadas tecidas de cabelos!...
de moldar com raiva, e com prazer,
entre as mãos frágeis,
aquilo que não poderá ser!...
Oh! Volúpia de fechar os olhos,
e morrer um pouco…
Ainda se a vida passasse,
e não continuasse…
Sem se dar conta que eu sonho!...
Mas o meu sonho é a morte…
E a vida não pára mais…


Alda Lara

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Procura...

Use sua inteligência para procurar as coisas onde elas estão ,
mesmo se estiver escuro.
- Olhe para dentro

Stay


Para ti


Nesta noite morna de luar africano
Salpicando de sombras as estradas
Eu estendo os meus braços sedentos
Para a nossa mãe África, gigante
E ergo para ti meu canto sem palavras
Suplicando bênção da terra
Para as vias dos teus caminhos
Para a rota do destino imenso
Traçado na inteireza de todo o teu ser
Para ti, a projecção das nossas estradas
Varridas da impureza dos dejectos inúteis
Para ti, o canto de glória da nossa
Mãe África dignificada.

Alda do Espírito Santo

Emoções


... Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o "preto no branco" e os "pontos nos is",
a um turbilhão de emoções indomáveis,
justamente as que resgatam o brilho nos olhos,
sorrisos e soluços, corações aos tropeços, sentimentos...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Poema perdido


Porque eu trazia rios de frescura
E claros horizontes de pureza
Mas tudo se perdeu ante a secura
De combater em vão.

E as arestas finas e vivas do meu reino
São o claro brilhar da solidão.

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 9 de novembro de 2008

Era uma tarde de Outono


Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...

Olavo Bilac

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Amizade


Amizades são feitas de pedacinhos.
Pedacinhos de tempo que vivemos com cada pessoa.
Não importa a quantidade de tempo que passamos com cada amigo, mas a qualidade
do tempo que vivemos com cada pessoa.
Cinco minutos podem ter uma importância muito maior do que um dia inteiro.
Assim, há amizades que são feitas de risos e dores compartilhados; outras
de escola; outras de saídas, cinemas, diversões; há ainda aquelas que nascem
e a gente nem sabe de quê, mas que estão presentes.
Talvez essas sejam feitas de silêncios compreendidos, ou de simpatia mútua
sem explicação.
Hoje em dia, muitas amizades são feitas só de e-mails e essas não são menos
importantes.
São as famosas "amizades virtuais." Diferentes até, mas não menos importantes.
Aprendemos a amar as pessoas sem que possamos julgá-las pela sua aparência
ou modo de ser, sem que possamos (e fazemos isso inconscientemente às vezes)
etiquetá-las.
Há amizades muito profundas que são criadas assim.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Revelação


Quando chegaste,
redescobri em mim inocência e alegria.
Removi a máscara que sobrava:
nada havia a esconder de ti,
nem medo - a não se partires.

Supérfluas as palavras,
dispensada a aparência, fiquei eu,
sem prumo,
como antes da primeira dúvida
e do último desencanto.

Quando chegaste,
escutei meu nome como num outro tempo.
o meu lado da sombra entregou
o que ninguém via:
as feridas sem cura e a esperança sem rumo.

Começa a crer, por mim, que o amor é possível,
e que a vida vale a pena e o pranto
de cada dia.

Lya Luft

Palavras

Liberdade

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Tu tens um medo...


Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo...
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efémero
se desfez.
E ficaste só tu, que és eterno.

Cecília Meireles

"Se"

sábado, 1 de novembro de 2008