segunda-feira, 24 de março de 2008

As raízes do nosso amor


Amo-te porque tudo em ti me fala de África,
duma forma completa e envolvente.
Negra, tão negramente bela e moça,
todo o teu ser me exprime a terra nossa.

Nos teu olhos eu vejo, como em caleidoscópio,
madrugadas e noites e poentes tropicais
visão que me inebria como um ópio,
em magia de místicos duendes,
e me torna encantado. (Perguntaram-me: onde vais?
E não sei onde vou, só sei que tu me prendes...)

A tua voz é, tão perturbadoramente,
a música dolente dos quissanges tangidos
em noite escura e calma,que vibra nos meus sentidos
e ressoa no fundo da minh'alma.

Quando me beijas sinto que provo ao mesmo tempo
gosto do caju, da manga e da goiaba,
sabor que vai da boca até às vísceras
e nunca mais acaba...

O teu corpo, formoso sem disfarce,
com teu andar dengoso, parece que se agita
tal como se estivesse a requebrar-se
nos ritmos da massemba e da rebita.
E sinto que teu corpo, em lírico alvoroço,
me desperta e me convida
para um batuque só nosso,
batuque da nossa vida.

Assim, onde te encontres (seja onde estivesses,
por toda a parte onde o teu vulto for),
eu te descubro e elejo entre os homens,
ó minha irmã na cor,
e, de braços abertos para o total amplexo,
sem sombra de complexo,
eu grito do mais fundo de minh'alma de poeta:
- Meu amor! Meu amor!


Geraldo Bessa Victor

quinta-feira, 20 de março de 2008

O jardim e a noite


Atravessei o jardim solitário e sem lua,
Correndo ao vento pelos caminhos fora,
Para tentar como outrora
Unir a minha alma à tua,
Ó grande noite solitária e sonhadora.

Entre os canteiros cercados de buxo,
Sorri à sombra tremendo de medo.
De joelhos na terra abri o repuxo,
E os meus gestos foram gestos de bruxedo.
Foram os gestos dessa encantação,
Que devia acordar do seu inquieto sono
A terra negra dos canteiros
E os meus sonhos sepultados
Vivos e inteiros.

Mas sob o peso dos narcisos floridos
Calou-se a terra,
E sob o peso dos frutos ressequidos
Do presente,calaram-se os meus sonhos perdidos.

Entre os canteiros cercados de buxo,
Enquanto subia e caía a água do repuxo,
Murmurei as palavras em que outrora
Para mim sempre existia
O gesto dum impulso.

Palavras que eu despi da sua literatura,
Para lhes dar a sua forma primitiva e pura,
De fórmulas de magia.

Docemente a sonhar entre a folhagem
A noite solitária e pura
Continuou distante e intangível
Sem me deixar penetrar no seu segredo.
E eu senti quebrar-se, cair desfeita,
A minha ânsia carregada de impossível,
Contra a sua harmonia perfeita.

Tomei nas minhas mãos a sombra escura
E embalei o silêncio nos meus ombros.
Tudo em minha volta estava vivo
Mas nada pôde acordar dos seus escombros
O meu grande êxtase perdido.

Só o vento passou pesado e quente
E à sua volta todo o jardim cantou
E a água do tanque tremendo
Se maravilhou
Em círculos, longamente.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 19 de março de 2008

Para ti que me deste a vida

“Não ices as velas, marinheiro!
Não vires o leme!
Não lutes sequer…
(Para quê, lutar?)
Deixa-te ir, como o mar,
ao sabor
das marés de um dia…
com o corpo a rescender
a maresia…
o olhar embriagado de luz
e a alma,
embrulhada em algas,
a flutuar…
Deixa-te ir!...”

in, Abandonado
Alda Lara

terça-feira, 18 de março de 2008

Blowing in the wind

How many roads must a man walk down,

Before you call him a man?

How many seas must a white dove sail,

Before she sleeps in the sand?

Yes and how many times must cannonballs fly,

Before they're forever banned?

The answer, my friend, is blowin' in the wind

The answer is blowin' in the wind

Yes and how many years can a mountain exist,

Before it's washed to the seas (sea)

Yes and how many years can some people exist,

Before they're allowed to be free?

Yes and how many times can a man turn his head,

Pretend that he just doesn't see?

The answer, my friend, is blowin' in the wind

The answer is blowin' in the wind.

Yes and how many times must a man look up,

Before he can see the sky?

Yes and how many ears must one man have,

Before he can hear people cry?

Yes and how many deaths will it take till he knows

That too many people have died?

The answer, my friend, is blowin' in the wind

The answer is blowin' in the wind


Bob Dylan

segunda-feira, 17 de março de 2008

Para ti


Olhos perdidos perscrutando o mar...
...Para lá...que horizontes se marcaram?...
-África d´oiro e sonho!a perdurar
lembranças d´outros dias que passaram...

O curso?...-Uma aventura!...
A vida?...-Um bem, firmado em grandes ideais!...
Depois...
(que importa o que é "depois",
quando se tem a certeza
de sermos sempre DOIS!?:::)

Alda Lara

sábado, 15 de março de 2008

Merengue da Ilha

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E porque hoje é sábado...o encontro é no Marítimo da Ilha.

Anúncio


O dono de um pequeno comércio, amigo do grande poeta Olavo Bilac, certo dia abordou-o na rua e disse:
Sr. Bilac, estou precisando vender o meu sítio, que o senhor tão bem conhece. Será que poderia redigir o anúncio para o jornal?
Olavo Bilac apanhou lápis e papel e escreveu:
“Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo, cortado por cristalinas e merejantes águas de um lindo ribeirão. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes na varanda.”
Alguns meses depois, o poeta encontra-se com o comerciante e pergunta-lhe se já havia vendido o sítio.
Nem pensei mais nisso, disse o homem.
Depois que li o anúncio é que percebi a maravilha que tinha!
Às vezes, não percebemos as coisas boas que temos connosco e vamos longe, atrás da miragem de falsos tesouros. Devemos valorizar o que temos e que nos foi dado gratuitamente por Deus: os amigos, o emprego, o conhecimento que adquirimos, a saúde, o sorriso dos filhos e o afago da família. Estes sim, são verdadeiros tesouros.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Do que eu gosto

Foto:Iguana Africana
Gosto
de me isolar do mundo
que rodopia lá fora
num vendaval foribundo

Gosto de
me encontrar sòzinha
por entre as árvores do meu quintal...
E sentir-me pequenina
Alheia de todo o mal.

Gosto
de me esconder dos homens
gigantes em seus horrorres
e adorar enternecida
um belo ramo de flores!

Gosto
da luz,da pureza
que há num rosto de criança
A lembrar-me que há um Deus
Naquele olhar, todo esperança.

Gosto
do céu à tardinha
da cor do sol
já sem cor...

E gosto
tanto que eu gosto,
de saber
que daquilo que mais gostas
é de mim
Meu doce amor.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Praia


Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços

A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaços e maresia

E para trás de mim fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.

Sophia de Mello Breyner Anderson

terça-feira, 11 de março de 2008

Diz-me o teu nome


Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto
Poeta moçambicano

segunda-feira, 10 de março de 2008

Voar


Foto:Iguana Africana

Baião de Luanda


Tão velhinha e tão linda, e tão presa
nos mistérios das ondas do mar,
é Luanda uma flor, uma beleza
com perfume e encantos sem par.

De S. Paulo à Marginal
- Vem ver , meu amor!
- Luanda ao sol-pôr,
Como é sem favor, divinal!

Raparigas do Bungo e da Samba,
do Cruzeiro e da Sé, do Balão,
na Paris, Polo Norte ou Mutamba,
são a nossa maior tentação.

Nesta terra onde eu nasci
eu quero casar
e ter o meu lar
e rir e chorar
só por ti.

Pelos bailes selectos da Alta,
nos batuques tão ricos de côr,
é Luanda que dança e que salta,
numa festa de vida e amor.

Bungo, Samba e Sambizanga
ou Portas do Mar
- Tudo isto é Luanda,
cidade e quitanda
ao luar...

Tão velhinha e tão bela e fagueira,
debruçada nas ondas do mar,
É Luanda sagaz, feiticeira.
Quem cá chega, cá quer ficar!

Reis Ventura

domingo, 9 de março de 2008

Ao longe o mar

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O mar

Quando avistei ao longe o mar
Ali fiquei
Parada a olhar
Sim, eu canto a vontade
Canto o teu despertar
E abraçando a saudade
Canto o tempo a passar
Quando avistei ao longe o mar
Ali fiquei
Parada a olhar
Quando avistei ao longe o mar
Sem querer, deixei-me ali ficar

Destino

Foto:Iguana Africana

É isso aí

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sábado, 8 de março de 2008

Mulher


Elas sorriem quando querem gritar.
Elas cantam quando querem chorar.
Elas choram quando estão felizes.
E riem quando estão nervosas.

Elas lutam por aquilo em que acreditam.
Elas levantam-se contra a injustiça.
Elas não aceitam um “não” como resposta
quando acreditam que existe melhor solução.

Elas andam sem sapatos novos para
que os seus filhos os possam ter.
Elas vão ao médico com uma amiga assustada.
Elas amam incondicionalmente.

Elas choram quando os seus filhos adoecem
e alegram-se quando os seus filhos ganham prémios.
Elas ficam contentes ao falarem de um aniversário
ou de um novo casamento.

Pablo Neruda

sexta-feira, 7 de março de 2008

quinta-feira, 6 de março de 2008

Uma tarde


O dia está solarengo. Ela caminha no passadiço de tábuas e já um pouco cansada senta-se no banco em frente ao mar, reparando num bando de albatrozes que desenham no espaço traços brancos na tela imaginária do universo.

Fecha os olhos e tenta gravar na memória a terna cena,
Um dia mais tarde, e ela sabe-o, vai precisar de rever esse quadro, e quando esse dia chegar só terá que fechar os olhos e ver que está tudo lá, como num filme.


Podia ter registado a cena com a máquina fotográfica, mas preferiu gravá-la na memória, combinava melhor com o momento.


Sabe que um dia, que espera esteja longínquo, as ondas do oceano irão espreguiçar-se na areia branca mas ela não estará ali para vê-las.
Aonde estiver, irá lembrar-se daquelas tardes de beleza sem par, e terá a certeza que eram feitas para ela. Isso mantê-la-á forte, mas conformada pensando que nunca mais voltarão a suceder, a não ser que feche os olhos, não para rever o vôo das aves, mas para voar com elas.

Nine million bicycles

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There are nine million bicycles in Beijing

That's a factIt's

a thing we can't deny

Like the fact that I will love you till I die

We are twelve billion light years from the edge

That's a guess

No-one can ever say it's true

But I know that I will always be with you

I'm warmed by the fire of your love everyday

So don't call me a liar

Just believe everything that I say

There are six billion people in the world

More or less

And it makes me feel quite small

But you're the one I love the most of all

We're high on the wire

With the world in our sight

And I'll never tire

Of the love that you give me every night

There are nine million bicycles in Beijing

That's a fact

It's a thing we can't deny

Like the fact that I will love you till I die

And there are nine million bicycles in Beijing

And you know that I will love you till I die

Poesia


quarta-feira, 5 de março de 2008

terça-feira, 4 de março de 2008

segunda-feira, 3 de março de 2008

Recordações

Perdi todo o passado no caminho...
Quero vivê-lo hoje novamente,
Mas as recordações de tanta gente
Deslizam-me entre as mãos, devagarinho.

Minha mãe era o sol da nossa casa
E o meu Pai, suave entardecer...
Os meus irmãos a brisa que perpassa,
Suave e perfumada em meu viver.

Meu Pai segura agora a minha mão...
Brito Godins, Baía e a Mutamba
Coloridos de amigos que lá estão...

Luanda vem sorrindo e na quitanda
Traz com amor, em jeito de oração
Todo o meu coração que por lá anda...

Maria de Aguiar Marçalo

domingo, 2 de março de 2008

Apontamento


Ser poeta...

É ter sempre em cada mão
a esmola de uma ilusão...

É crer que a Primavera há-de voltar,
mesmo que não volte para o nosso olhar!...

É ver estrelas em cada noite morta,
e felicidade em cada vida torta...

É caminhar sobre espinhos, a sorrir,
vaiado p´la descrença, sem ouvir...

É ser soldado sem bandeira
de uma luta traiçoeira...

É crer ao fim do DIA concluído,
que nada foi perdido...

Alda Lara
(Março, 1949)

sábado, 1 de março de 2008

Verdade

Foto:Iguana Africana